Outros caminhos da legendagem: entrevista com José Henrique Lamensdorf

Pouco se fala do mundo da legendagem para clientes corporativos, mas esse mercado existe. O Legendar.com.br entrevistou José Henrique Lamensdorf (http://jh.lamensdorf.com.br/local/), um multitradutor que já legendou diversos vídeos de treinamento corporativo.

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Sua trajetória para trabalhar com legendagem é um pouco curiosa. Você pode contar como começou a legendar?
Em algum momento distante da minha carreira de tradução para dublagem, traduzi uma palestra do Tom Peters, aquele do livro “Vencendo a Crise”. Ele fala como uma metralhadora, é “indublável”. Me pediram para “converter” o script em legendas. Eu achei que ficou uma porcaria, pedi que alguém especializado em legendas ajeitasse aquilo. Foi o que fizeram.

Em dublagem, sempre tive um zelo todo especial para preservar 100% do conteúdo. Se há um trocadilho, uma piada intraduzível, preciso repor. O som original não estará lá para justificar as risadas, mesmo que o espectador seja bilíngüe. Por isso eu tinha certo… desprezo não seria a melhor palavra aqui, pela legendagem; o filme perdia alguma coisa. Achei que isso justificaria o fato de tradutores para legendagem cobrarem menos que os para dublagem. Eu cobro exatamente a mesma coisa, apesar de o Sintra sugerir uma proporção de 2:1.

Comecei quando surgiu uma demanda de tradução para legendagem em inglês, filmes técnicos. Vi o que fiz, vi como ficou depois que alguém mais habilitado fez os devidos acertos. Estudei o que havia de normas a respeito, passei a observar como era feito na TV a cabo, criei coragem e passei a fazer. No começo eram só os textos, não sei como o pessoal marcava e aplicava depois. A certa altura, resolvi estudar um pouco de vídeo digital na Internet, baixei muitos ótimos freewares para trabalhar com vídeo, e em pouco tempo estava legendando e autorando DVDs até bem complexos, com uma qualidade que me surpreende até hoje.

É uma questão de postura. Em dublagem, trata-se de reconstruir a trilha sonora completa, para ter um filme falado em outro idioma. Em legendagem, trata-se de informar ao espectador da maneira mais concisa possível, para que lhe sobre tempo para ver as imagens do filme, o que as pessoas estão dizendo. O que demorei para perceber é que as legendas não têm expressão cênica. Sendo assim, basta transmitir o conteúdo da frase, despido de toda e qualquer figura de retórica; esta o espectador irá captar intuitivamente pela entonação do que se diz numa língua que ele não entende.

Resumindo, são dois chapéus diferentes para dublagem e legendagem, e só se pode usar um por vez.

Você já trabalhou com legendagem de séries e filmes?
Séries, nunca. Pelo meu esquema de trabalho, meu custo é inviável para seriados de TV. Não, não estou me supervalorizando em relação aos colegas. Há gente mais rápida do que eu para trabalho onde o preciosismo com detalhes não é exigido.

Filmes de longa metragem, devo ter feito uma dúzia e meia ao todo, para experimentar. Pelo mesmo motivo, atualmente só me pedem para traduzir filmes de longa metragem quando um estúdio de dublagem quer se exibir com a métrica perfeita para alguma emissora. Mas não é nenhum privilégio meu. Na minha opinião, todos os colegas que traduzem para a Disney fazem tão bem quanto, se não fizerem ainda melhor do que eu.

O que você acha do mercado de legendagem atualmente?
Só posso falar do mercado de vídeo corporativo, e com referência ao inglês como língua de origem. Há um fenômeno interessante acontecendo. Com a globalização, a Internet, muitas empresas estão investindo em cursos de inglês para seus funcionários. Em função disso, um número crescente dessas empresas está dando preferência a vídeos legendados. Como nesses vídeos, de um modo geral, se fala muito – afinal não há pancadaria, tiroteios, números de dança, perseguições, viagens intergalácticas, nada disso – mais do que nos filmes de TV, ver mais as imagens chega a ser um motivador adicional para o espectador tentar entender o inglês, se puder, a legenda servindo como bengala, muletas, ou uma cadeira de rodas, dependendo do seu domínio do idioma.

Isto, associado ao fato perene de que a legendagem custa em média 1/3 da dublagem, tem feito a legendagem crescer em relação à dublagem. Todavia, precisamos admitir que a legendagem não serve quando é fundamental manter os olhos na imagem, por exemplo em procedimentos de manutenção ou operação de equipamentos

Fora o mercado da legendagem, em que outras áreas você trabalha? Quais delas considera mais promissoras para a tradução?
Minha especialidade principal é a localização completa de programas de treinamento de recursos humanos, área em que também presto consultoria. Então quando traduzo um filme de treinamento, se me solicitarem, também traduzo (ou crio) os materiais para o instrutor, apostilas etc. e faço a editoração eletrônica (DTP).Ultimamente tenho feito a “deslinearização” de vídeos de treinamento, aproveitando os enormes recursos de interatividade que o DVD oferece. O DVD poderá substituir com vantagem uma grande quantidade de apresentações em PowerPoint, se não todas.

É mais um hobby, mas também andei aprendendo sobre áudio digital. Apenas para manter a forma, quando me mandam um DVD para legendar (não só traduzir) e a trilha sonora deixa a desejar, o que é muito mais comum do que se pode imaginar, deixo uma grata surpresa para o cliente no áudio do seu DVD. Em geral, antes de começar a traduzir, elimino ruído se houver, e normalizo o volume se for necessário, para ter um material bom para trabalhar. No final, na hora de montar o vídeo ou o DVD, basta substituir a trilha sonora.

Vejo um mercado bem promissor em tradutores de assuntos especializados aprenderem a traduzir vídeo. Estamos numa era de comunicação intensa, e há muita gente realmente empenhada em viabilizar a transmissão de vídeo pela Internet. Falta pouco, o YouTube é prova disso. Por exemplo, em medicina, em breve um médico poderá ver em detalhe como um colega no outro lado do mundo faz uma certa intervenção. A palestra de um guru de economia, finanças ou administração poderá ser vista no mundo inteiro, em vários idiomas. Uma fábrica de equipamentos sofisticados poderá dar treinamento de instalação, operação e manutenção pela web aos funcionários de seus clientes. Tudo isso exige tradutores especializados nas respectivas áreas. Se essa comunicação vier em vídeo e não mais em livros, eles precisam estar preparados para isso. Observem que hoje em dia uma câmara de vídeo digital é algo muito acessível; nem tudo será em grandes produções cinematográficas.

Você tem algum conselho a dar para quem está começando?
Começando? Teria muitos, especialmente quanto a ética e profissionalismo. Mas vamos nos limitar à legendagem, e ficar com apenas três.

Você irá aprender a fazer “isso” de algum modo. Pode ser num curso, através de leitura, tentativa e erro, vendo alguem fazer, uma combinação disso tudo, é indiferente. Por mais motivos que você tenha para acreditar que o que viu, leu, ou descobriu é verdade, acredite que não é a ÚNICA verdade. Se alguém faz algo de um certo jeito, em parte é porque aprendeu assim, mas no restante é porque seus talentos e seu jeito de ser ajudam a fazer dessa forma. Descubra o SEU PRÓPRIO jeito de fazer qualquer coisa, adapte, invente, faça melhor, e seja feliz.

Da mesma forma, não acredite em leis pétreas na legendagem. Cada produtora ou distribuidora pode ter suas normas, e é preciso segui-las, porém o que não for normatizado ficará a seu critério. Você irá encontrar por aí uma série de regras do tipo “não pode quebrar linhas/legendas assim ou assado”, “é preciso X segundos na tela para ler cada caractere”, “deve haver um intervalo de Y quadros entre uma legenda e outra”, etc. Muitas delas fazem sentido, e por trás delas você verá bons motivos imediatamente. Outras só fazem sentido às vezes. O fato é que quem fez essas regras pensou no geral, e provavelmente nunca viuespecificamente o filme que você está traduzindo hoje. Os filmes são produzidos como obras completas, e não “para serem legendados”. Em caso de dúvida, ou mesmo se não tiver dúvidas, aja sempre como o defensor do espectador. Se você não entendesse o idioma original do filme, como gostaria que ele estivesse legendado? Faça isso, e irá errar menos do que se apenas seguir cegamente as tais regras.

Finalmente, se tiver sido fornecido o script, use-o apenas como referência, como você usa o dicionário. Sei que há gente que simplesmente “passa” o script inteiro pelo Trados (ou pior ainda, Babelfish!), e depois vai “consertar”. Não pode ficar bom! Quem faz isso está mais preocupado em terminar, em ter o vídeo traduzido logo, do que com ajudar o espectador a entender os diálogos. O script ajuda muito, por exemplo, para descobrir rapidamente se o sujeito se chama Pollock ou Polak, especialmente se a cena final for um close na lápide do túmulo dele. Também ajuda quando o ruído se sobrepõe à fala. O script, se houver, é um recurso de apoio, não o documento original a traduzir.

Written by legendar on June 2nd, 2008 with 1 comment.
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1 comment

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#1. September 15th, 2008, at 8:05 PM.

Estou bastante interessada em entrar para essa área e pretendo fazer um curso. Moro na região de Campinas e gostaria de saber se há algum BOM curso por aqui. Outra coisa que gostaria de saber é se esse tipo de trabalho é realizado em casa.

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